Despertar, de Aglaia Souza

Doce segredo se espalha sob o solo, entre as paineiras Suave melodia acorda as flores das buganvílias. Secreto código solta o perfume das roseiras. Um terno convite tece as cores das espatódeas. Um relógio dita as horas do despertar dos ipês. A batuta rege o tempo do romper dos flamboyants. Um riacho murmureja nos subterrâneos do barro. A vida risca seus tons em galhos secos, cerrados. Do livro Poemas para Brasília - antologia, de Joanir de Oliveira. Poesia de Aglaia Souza, poetisa, cronista e escritora brasiliense.

Saudade, de Fernando Pessoa

Eu amo tudo o que foi Tudo o que já não é A dor que já não me dói A antiga e errônea fé O ontem que a dor deixou O que deixou alegria Só porque foi e voou E hoje é já outro dia. Fernando Pessoa poeta, escritor, crítico literário, inventor, tradutor, filósofo e comentarista político português. Autor de livros como O livro do desassossego, O eu profundo e os outros eus, dentre outros.

A surpresa, de Clarice Lispector

Olhar-se ao espelho e dizer-se deslumbrada: Como sou misteriosa. Sou tão delicada e forte. E a curva dos lábios manteve a inocência. Não há homem ou mulher que por acaso não se tenha olhado ao espelho e se surpreendido consigo próprio. Por uma fração de segundo a gente se vê como a um objeto a ser olhado. A isto se chamaria talvez de narcisismo, mas eu chamaria de: alegria de ser. Alegria de encontrar na figura exterior os ecos da figura interna: ah, então é verdade que eu não me imaginei, eu existo.   Clarice Lispector foi uma escritora naturalizada brasileira. Autora de vários ensaios,  crônicas, livros como Perto do Coração Selvagem, A descoberta do mundo,  A hora da estrela, Laços de família, Minhas queridas e muitos outros.

Se o tempo passar, de Cáh Morandi

se o tempo passar deixe apenas que passe no tempo não... há alianças nem algemas, nele se anulam as promessas há este segredo: não nascemos para um amor, morreremos pela liberdade.

Os meus livros, de Jorge Luís Borges

Os meus livros (que não sabem que existo) São uma parte de mim, como este rosto De têmporas e olhos já cinzentos Que em vão vou procurando nos espelhos E que percorro com a minha mão côncava. Não sem alguma lógica amargura Entendo que as palavras essenciais, As que me exprimem, estarão nessas folhas Que não sabem quem sou, não nas que escrevo. Mais vale assim. As vozes desses mortos Dir-me-ão para sempre. Jorge Luis Borges foi poeta, tradutor, crítico literário e ensaísta argentino. Autor de Ficções, O Aleph e O livro de Areia, História da eternidade, dentre outros.

Múltipla escolha, de Lya Luft

A autora explora os caminhos do nosso tempo, debatendo questões fundamentais como velhice, juventude, sexualidade, comunicação virtual dentre outros, e nos convida a uma profunda discussão sobre os mitos modernos e a urgência de escolher a vida, rejeitando a mediocridade e trilhando o caminho da liberdade.

Soneto da Fidelidade, Vinícius de Moraes

De tudo, ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento. Quero vivê-lo em cada vão momento E em louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento. E assim, quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure.   Vinícius de Moraes foi um poeta, dramaturgo, cantor e compositor brasileiro, jornalista e diplomata. Autor de vários livros, poemas e canções. Livros como O caminho para a distância. Forma e exegese, Novos poemas, Antologia poética, Para viver um grande amor dentre outros.

Entre o Sono e Sonho, de Fernando Pessoa

Entre mim e o que em mim É o quem eu me suponho Corre um rio sem fim. Passou por outras margens, Diversas mais além, Naquelas várias viagens Que todo o rio tem. Chegou onde hoje habito A casa que hoje sou. Passa, se eu me medito; Se desperto, passou. E quem me sinto e morre No que me liga a mim Dorme onde o rio corre — Esse rio sem fim.   Fernando Pessoa poeta, escritor, crítico literário, inventor, tradutor, filósofo e comentarista político português. Autor de livros como O livro do desassossego, O eu profundo e os outros eus, dentre outros.