O tempo no Jardim, de Cecília Meireles

Nestes jardins - há vinte anos - andaram nossos muitos passos, e aqueles que então éramos se contemplaram nestes lagos. Se algum de nós avistasse o que seríamos com o tempo, todos nós choraríamos, de mútua pena e susto imenso. E assim nos separamos, suspirando sonhos futuros, e nenhum se atrevia a desvelar seus próprios mundos. E agora que separados vivemos o que foi vivido, com doce amor choramos o que fomos nesse tempo antigo!

Soneto do Amigo, de Vinícius de Moraes

Enfim, depois de tanto erro passado Tantas retaliações, tanto perigo Eis que ressurge noutro o velho amigo Nunca perdido, sempre reencontrado. É bom sentá-lo novamente ao lado Com olhos que contêm o olhar antigo Sempre comigo um pouco atribulado E como sempre singular comigo. Um bicho igual a mim, simples e humano Sabendo se mover e comover E a disfarçar com o meu próprio engano. O amigo: um ser que a vida não explica Que só se vai ao ver outro nascer E o espelho de minha alma multiplica…   Vinícius de Moraes foi um poeta, dramaturgo, cantor e compositor brasileiro, jornalista e diplomata. Autor de vários livros, poemas e canções. Livros como O caminho para a distância. Forma e exegese, Novos poemas, Antologia poética, Para viver um grande amor dentre outros.

Borboletas, de Mário Quintana

Quando depositamos muita confiança ou expectativas em uma pessoa, o risco de se decepcionar é grande.   As pessoas não estão neste mundo para satisfazer as nossas expectativas, assim como não estamos aqui, para satisfazer as dela.   Temos que nos bastar… nos bastar sempre e quando procuramos estar com alguém, temos que nos conscientizar de que estamos juntos porque gostamos, porque queremos e nos sentimos bem, nunca por precisar de alguém.   As pessoas não se precisam, elas se completam… não por serem metades, mas por serem inteiras, dispostas a dividir objetivos comuns, alegrias e vida.   Com o tempo, você vai percebendo que para ser feliz com a outra pessoa, você precisa em primeiro lugar, não precisar dela. Percebe também que aquela pessoa que você ama (ou acha que ama) e que não quer nada com você, definitivamente, não é o homem ou a mulher de sua vida.   Você aprende a gostar de você, a cuidar de você, e principalmente a gostar de quem gosta de você.   O segredo é não cuidar das borboletas e sim cuidar do jardim para que elas venham até você.   No final das contas, você vai achar não quem você estava procurando, mas quem estava procurando por você! Mário Quintana (1906-1994) foi um poeta, tradutor e jornalista brasileiro.

Viagem – José Saramago

A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o visitante sentou na areia da praia e disse:“Não há mais o que ver”, saiba que não era assim. O fim de uma viagem é apenas o começo de outra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu de noite, com o sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava.É preciso voltar aos passos que foram dados, para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre.

Os poemas – Mario Quintana

Os poemas são pássaros que chegamnão se sabe de onde e pousamno livro que lês.Quando fechas o livro, eles alçam vôocomo de um alçapão.Eles não têm pousonem porto;alimentam-se um instante em cadapar de mãos e partem.E olhas, então, essas tuas mãos vazias,no maravilhado espanto de saberesque o alimento deles já estava em ti...

Saber Viver – Cora Coralina

Não sei… Se a vida é curtaOu longa demais pra nós,Mas sei que nada do que vivemosTem sentido, se não tocamos o coração das pessoas.Muitas vezes basta ser:Colo que acolhe,Braço que envolve,Palavra que conforta,Silêncio que respeita,Alegria que contagia,Lágrima que corre,Olhar que acaricia,Desejo que sacia,Amor que promove.E isso não é coisa de outro mundo,É o que dá sentido à vida.É o que faz com que elaNão seja nem curta,Nem longa demais,Mas que seja intensa,Verdadeira, pura… Enquanto durar!

As sem-razões do amor – Carlos Drumonnd de Andrade

Eu te amo porque te amo, Não precisas ser amante, e nem sempre sabes sê-lo. Eu te amo porque te amo. Amor é estado de graça e com amor não se paga. Amor é dado de graça, é semeado no vento, na cachoeira, no eclipse. Amor foge a dicionários e a regulamentos vários. Eu te amo porque não amo bastante ou demais a mim. Porque amor não se troca, não se conjuga nem se ama. Porque amor é amor a nada, feliz e forte em si mesmo. Amor é primo da morte, e da morte vencedor, por mais que o matem (e matam) a cada instante de amor.

Relembrando Artur da Távola em Amor Maduro

O amor maduro não é menor em intensidade.Ele é apenas silencioso. Não é menor em extensão.É mais definido colorido e poetizado.Não carece de demonstrações: Presenteia com a verdade do sentimento.Não precisa de presenças exigidas:amplia-se com as usências significantes.O amor maduro tem e quer problemas, sim, como tudo.Mas vive dos problemas da felicidade.Problemas da felicidade são formastrabalhosas de construir o bem, o prazer.Problemas da infelicidade não interessam ao amor maduro.Na felicidade está o encontro de peles, o ficar com o gosto da bocae do cheiro do outro - está a compreensão antecipada, a adivinhação,o presente de valor interior, a emoção vivida em conjunto,os discursos silenciosos da percepção, o prazer de conviver,o equilíbrio de carne e de espírito.O amor maduro é a valorização do melhor do outroe a relação com a parte salva de cada pessoa.Ele vive do que não morreu, mesmo tendo ficado para depois,vive do que fermentou criando dimensões novaspara sentimentos antigos, jardins abandonados, cheios de sementes.Ele não pede, tem.Não reivindica, consegue.Não percebe, recebe.Não exige, oferece.Não pergunta, adivinha.Existe, para fazer feliz.O amor maduro cresce na verdade e se esconde a cada auto-ilusão,basta-se com o todo do pouco. Não precisa e nem quer nada do muito.Está relacionado com a vida e por isso mesmo é incompleto,por isso é pleno em cada ninharia por ele transformada em paraíso.É feito de compreensão, música e mistério.É a forma sublime de ser adulto e a forma adulta de ser sublime e criança.É o sol de outono: nítido, mas doce.Luminoso, sem ofuscar.Suave, mas definido.Discreto, mas certo.

Poema de Natal – Vinícius de Moraes

Adoro Vinícius de Moraes e dele encontrei esse poema, um poema de Natal: "Para isso fomos feitos: Para lembrar e ser lembrados Para chorar e fazer chorar Para enterrar os nossos mortos — Por isso temos braços longos para os adeuses Mãos para colher o que foi dado Dedos para cavar a terra. Assim será nossa vida: Uma tarde sempre a esquecer Uma estrela a se apagar na treva Um caminho entre dois túmulos — Por isso precisamos velar Falar baixo, pisar leve, ver A noite dormir em silêncio. Não há muito o que dizer: Uma canção sobre um berço Um verso, talvez de amor Uma prece por quem se vai — Mas que essa hora não esqueça E por ela os nossos corações Se deixem, graves e simples. Pois para isso fomos feitos: Para a esperança no milagre Para a participação da poesia Para ver a face da morte — De repente nunca mais esperaremos... Hoje a noite é jovem; da morte, apenas Nascemos, imensamente." Vinícius de Moraes foi um poeta, dramaturgo, cantor e compositor brasileiro, jornalista e diplomata. Autor de vários livros, poemas e canções. Livros como O caminho para a distância. Forma e exegese, Novos poemas, Antologia poética, Para viver um grande amor dentre outros.