Sobre o livro, de João Cabral de Melo Neto

Silencioso: quer fechado ou aberto, incluso o que grita dentro;
Anônimo: só expõe o lombo, posto na estante, que apaga em pardo todos os lombos;
Modesto: só se abre se alguém o abre, e tanto o posto do quadro na parede, aberto a vida toda, quanto da música, viva apenas enquanto voam suas redes.
Mas apesar disso e apesar de paciente (deixa-se ler onde queiram)
Severo: exige que lhe extraiam, o interroguem e jamais exala: fechado, mesmo aberto.

O Beija-Flor, de Auta de Souza

Acostumei-me a vê-lo todo o dia
De manhãzinha, alegre e prazenteiro,
Beijando as brancas flores de um canteiro
No meu jardim – a pátria da ambrosia.

Pequeno e lindo, só me parecia
Que era da noite o sonho derradeiro…
Vinha trazer às rosas o primeiro
Beijo do Sol, nessa manhã tão fria!

Um dia foi-se e não voltou… Mas quando
A suspirar me ponho, contemplando,
Sombria e triste, o meu jardim risonho…

Digo, a pensar no tempo já passado:
Talvez, ó coração amargurado,
Aquele beija-flor fosse o teu sonho!

Auta de Souza foi uma poetisa brasileira e autora do livro Horto.

Orgulho e renuncia, de J.G. de Araujo Jorge

Uma querida amiga Judite Oliveira, que há muitos anos não vejo, deixou registrado em meu caderno de recordações, ainda em Bom Jesus da Lapa/BA, esse poema de J.G de Araújo Jorge.

Orgulho e renuncia

Não penses que a mentira me consola: parte em silêncio, será bem melhor…

Se tudo terminou a tua esmola meu sofrimento ainda fará maior…

Não te condeno nem te recrimino, ninguém tem culpa do que aconteceu…

Nem posso contrariar o meu destino nem tu podias contrariar o teu!

Sofro que importa? mas não te censuro, o inevitável quando chega é assim,

-se esse amor não devia Ter futuro foi bem melhor precipitar seu fim…

Não te condeno nem te recrimino tinha que ser! Tudo passou, morreu!

Cada qual traz do berço seu destino e esse afinal, bem doloroso, são o meu!

Estranho, é que a afeição quando se acabe, traga inútil consolo ao nosso fim

quando penso que ainda ontem, – quem o sabe? tenha sentido algum amor por mim…

Não procures mentir. Compreendo tudo. Tudo por si justificado está:

– não tens culpa se te amo… se me iludo, se a vida para mim é que foi má…

Vês? Meus olhos chorando estão contentes! Não fales nada. Vai! Ninguém te obriga

a dizeres aquilo que não sentes, nem eu preciso disto minha amiga…

 Parte. E que nunca sofrer alguém te faça o que sofri com o teu ingênuo amor;

– pensa que tudo morre, tudo passa, que hei de esquecer-te, seja como for…

Pensa que tudo foi uma tolice…Só mais tarde, bem sei, – compreenderás

as palavras de dor que não te disse e outras, de amor… que não direi jamais

Brasil: pés descalços, dentes cariados – Julio Cézar dos Reis Almeida

Pingo D’agua

A vida é pingo d’água

Que dura pouco mais que a aurora.
Evapora sem demora.
Tão cedo chega, tão cedo vai embora.
Nem bem a gente começa a aprender,
Chega a hora.
A hora triste de ir embora.
Que gota preciosa
Esta que vai escrevendo a cada frase
A nossa história.
A humanidade deságua de um lado
E do outro lado evapora.
É chegar e ir embora,
A cada instante, a cada hora.