Saber Viver – Cora Coralina


Não sei… Se a vida é curta
Ou longa demais pra nós,
Mas sei que nada do que vivemos
Tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas.

Muitas vezes basta ser:
Colo que acolhe,
Braço que envolve,
Palavra que conforta,
Silêncio que respeita,
Alegria que contagia,
Lágrima que corre,
Olhar que acaricia,
Desejo que sacia,
Amor que promove.

E isso não é coisa de outro mundo,
É o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela
Não seja nem curta,
Nem longa demais,
Mas que seja intensa,
Verdadeira, pura… Enquanto durar!

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A idade e a mudança – Lya Luft

(…)

 

Toda mudança cobra um alto preço emocional.

 

Antes de se tomar uma decisão difícil, e durante a tomada, chora-se muito, os questionamentos são inúmeros, a vida se desestabiliza.

 

Mas então chega o depois, a coisa feita, e aí a recompensa fica escancarada na face.

 

Mudanças fazem milagres por nossos olhos, e é no olhar que se percebe a tal juventude eterna.

 

Um olhar opaco pode ser puxado e repuxado por um cirurgião a ponto de as rugas sumirem, só que continuará opaco porque não existe plástica que resgate seu brilho.

 

Quem dá brilho ao olhar é a vida que a gente optou por levar.

 

Olhe-se no espelho…

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Minha biblioteca. J. G. de Araujo Jorge

Conheci as poesias de J. G. de Araujo Jorge ainda na  adolescência. Gosto de todas, mas, algumas são especiais como Orgulho e renúncia, Meu céu interior e esta:

Minha biblioteca

Pátria e lar do pensamento,
porto do coração.
Minha loja de sonhos, mercado de emoções
onde faço pelas madrugadas a minha “feira”
para reabastecer meu espírito de realidades e ficções
e sobreviver.

Aí estão as prateleiras sortidas, estoques inesgotáveis
de fantasias a experiências
para a minha fome de conhecimentos, minha sede
de descobertas,
minhas ânsias de beleza.

É só estender a mão e colher o livro
como um fruto maduro que lentamente degusto
e, milagrosamente,
permanece inteiro, íntegro, intacto
entre folhas e flores
e surpreendentemente se renova e multiplica
em inusitados sabores.

Minha biblioteca
parque de papel e palavras
onde me perco em andanças e onde me reencontro
em tantos caminhos desconhecidos,
bosque de tantos livros, como as árvores
com quem Beethoven conversava
em seu bosque de Bonn.

Meus livros, companheiros pacientes e silenciosos
com quem dialogo horas sem conta,
que não discutem, não alteiam a voz
em tantas discordâncias inevitáveis,
e humildemente se fecham e se recolhem
a um simples gesto meu de impaciência, cansaço
ou de sono.

Minha biblioteca,
abrigo certo
oásis de águas e sombras
no imenso deserto,
que me faz decolar de tantas realidades
e planar como uma asa-delta
sozinho, sobre paisagens insuspeitadas.

Minha biblioteca,
pousada no caminho
onde me sento, a pensar,
e onde chego a esquecer que há um mundo
rosnando ameaças ao redor,
e adormeço como um menino
feliz..

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As sem-razões do amor – Carlos Drumonnd de Andrade

Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

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Lição – Julio Cezar dos Reis Almeida

O menino estuda a lição,
Dividido entre o que aprende
E os sons da rua que lhes chegam pela janela.

A mãe faz tricô.
A vó cochila na cadeira de balanço.

O menino olha a rua.
A rua irresistível que o chama…

-Mamãe! Posso brincar?
-Agora, não! Primeiro termine a lição.
Terminei a lição.
Mamãe não faz tricô.
Vovó não cochila.

Fecho a janela para que o barulho da rua
Não acorde as duas que dormem
No tempo estático das lembranças.

-Mamãe, terminei!
-Vá brincar, mas não demore!
O tempo passou,
Mas as lições da existência permanecem inconclusas.

Hoje me pergunto:

-Onde estão as plantas da minha vó?
Os canteiros estão desfeitos.
-Onde estão os novelos de minha mãe?
A lã da existência acabou,
Mas deixou o amaro gosto do sol da saudade
Que teima em brilhar nas lembranças.

Se a lã do tempo tece o próprio novelo,
A lição da ausência
Aprende-se com nó na garganta

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Relembrando Artur da Távola em Amor Maduro

O amor maduro não é menor em intensidade.
Ele é apenas silencioso. Não é menor em extensão.
É mais definido colorido e poetizado.
Não carece de demonstrações: Presenteia com a verdade do sentimento.
Não precisa de presenças exigidas:
amplia-se com as usências significantes.
O amor maduro tem e quer problemas, sim, como tudo.
Mas vive dos problemas da felicidade.
Problemas da felicidade são formas
trabalhosas de construir o bem, o prazer.
Problemas da infelicidade não interessam ao amor maduro.
Na felicidade está o encontro de peles, o ficar com o gosto da boca
e do cheiro do outro – está a compreensão antecipada, a adivinhação,
o presente de valor interior, a emoção vivida em conjunto,
os discursos silenciosos da percepção, o prazer de conviver,
o equilíbrio de carne e de espírito.
O amor maduro é a valorização do melhor do outro
e a relação com a parte salva de cada pessoa.
Ele vive do que não morreu, mesmo tendo ficado para depois,
vive do que fermentou criando dimensões novas
para sentimentos antigos, jardins abandonados, cheios de sementes.
Ele não pede, tem.
Não reivindica, consegue.
Não percebe, recebe.
Não exige, oferece.
Não pergunta, adivinha.
Existe, para fazer feliz.
O amor maduro cresce na verdade e se esconde a cada auto-ilusão,
basta-se com o todo do pouco. Não precisa e nem quer nada do muito.
Está relacionado com a vida e por isso mesmo é incompleto,
por isso é pleno em cada ninharia por ele transformada em paraíso.
É feito de compreensão, música e mistério.
É a forma sublime de ser adulto e a forma adulta de ser sublime e criança.
É o sol de outono: nítido, mas doce.
Luminoso, sem ofuscar.
Suave, mas definido.
Discreto, mas certo.

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Lua Nua – poesia de Julio Cézar

Uma lua nua
Bailou no céu
De uma noite que cheirava a cravo e a mel.
Queria mostrar o seu encanto
Para isto se desfez do seu véu.
E nua,
Na noite pintada de breu,
Dançou para os olhos meus.
Testemunhas como eu,
Uma multidão de estrelas
Aplaudiu os passos seus.
Como palco,
A lua bailarina tinha o firmamento.
E como foco de luz,
Os meus olhos atentos.
A paixão louca
Entre a lua e o poeta
Durou pouco.
Porém, marcou o meu coração
Bem no fim do mundo.
Esse balé, rico de graça e de luz,
Ficará gravado na minha mente
A vida inteira.
Se te deu água na boca,
Feche os olhos,
Abra a caixa de sonhos e deixe a ilusão voar…
É assim que se aprende a amar.

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Poema de Natal – Vinícius de Moraes

Adoro Vinícius de Moraes e dele encontrei esse poema, um poema de Natal:
“Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos…
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.”

Vinícius de Moraes foi um poeta, dramaturgo, cantor e compositor brasileiro, jornalista e diplomata. Autor de vários livros, poemas e canções. Livros como O caminho para a distância. Forma e exegese, Novos poemas, Antologia poética, Para viver um grande amor dentre outros.

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Sobre o livro, de João Cabral de Melo Neto

Silencioso: quer fechado ou aberto, incluso o que grita dentro;
Anônimo: só expõe o lombo, posto na estante, que apaga em pardo todos os lombos;
Modesto: só se abre se alguém o abre, e tanto o posto do quadro na parede, aberto a vida toda, quanto da música, viva apenas enquanto voam suas redes.
Mas apesar disso e apesar de paciente (deixa-se ler onde queiram)
Severo: exige que lhe extraiam, o interroguem e jamais exala: fechado, mesmo aberto.

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