O vôo, de Menotti Del Picchia

Goza a euforia do vôo do anjo perdido em ti. Não indagues se nossas estradas, tempo e vento, desabam no abismo. Que sabes tu do fim? Se temes que teu mistério seja uma noite, enche-o de estrelas. Conserva a ilusão de que teu vôo te leva sempre para o mais alto. No deslumbramento da ascensão se pressentires que amanhã estarás mudo esgota, como um pássaro, as canções que tens na garganta. Canta. Canta para conservar a ilusão de festa e de vitória. Talvez as canções adormeçam as feras que esperam devorar o pássaro. Desde que nasceste não és mais que um vôo no tempo. Rumo do céu? Que importa a rota. Voa e canta enquanto resistirem as asas. Menotti del Picchia foi um poeta, jornalista, político, romancista, contista, cronista e ensaísta brasileiro.

Biofilia, de Nelma da Silva Sá

Mulher, Natureza Sou complexa, sou simples Nas sutilezas dos emaranhados Revelam-se belezas Mulher, Guerreira Sou divergência, sou convergência Na quietude dos fios esvoaçantes Iluminam-se veredas Mulher, Vida Sou mistério, sou transparência Nas linhas das faces vivas Refletem-se delicadezas Mulher, Feiticeira Sou força, sou incerteza No intervalo dos instantes Desabrocham-se Marias Mulher, Deusa Sou amor, sou natureza No coexistir das diferenças Cultivam-se Biofilias. Biofilia – 16/08/2020 – domingo de outono. Da série “palavras no tempo”, por Nelma da Silva Sá.

Amo a vida, de Helena Kolody

Amo a vida. Fascina-me o mistério de existir. Quero viver a magia de cada instante, embriagar-me de alegria. Que importa a nuvem no horizonte, chuva de amanhã? Hoje o sol inunda o meu dia. Helena Kolody (1912-2004) foi uma poetisa brasileira, considerada uma das maiores representantes literárias do Estado do Paraná. É autora de vários livros como Paisagem Interior, Memórias de Nhá Mariquinhas, Sinfonia da Vida, dentre outros.

O tempo e o silêncio, de Nelma da S. Sá

Recrio o tempo Que nasce com o aprendizado Numa realidade complexa Que de dentro observa o fora ExtraSer! Transcrio o tempo Da finitude a infinitude do Ser Neste experimento, me experimento Gosto do que está dentro IntraSer! Reivento o tempo Desvendando os enigmas do Ser Num instante de plenitude O verbo que se apresenta InterSer! Transvejo o tempo Transfigurando as algemas do Ser No silêncio da liberdade O amor nutre a alma TransformaSer!

Urgência, de Armando Artur

É urgente inventar novos atalhos. Acender novos archotes e descobrir novos horizontes. É urgente quebrar o silêncio, abrir fendas no tempo e, passo a passo, habitar outras noites coalhadas de pirilampos. É urgente içar novos versos, escalar novas metáforas recalcadas pela angústia. É urgente partir sem medo e sem demora. Para onde nascem sonhos, buscar novas artes de esculpir a vida.   Armando Artur é um escritor moçambicano. Autor de A Reinvenção do ser e a dor da pedra, O Hábito das Manhãs, A Quintessência do Ser dentre outros.

Algumas amizades são eternas, de Pablo Neruda

Algumas vezes você encontra na vida Uma amizade especial: esse alguém que ao entrar na sua vida, muda-a completamente. Esse alguém que lhe faz rir sem cessar; esse alguém que lhe faz acreditar que no mundo existem coisas realmente boas. Esse alguém que lhe convence de que há uma porta pronta para que você a abre. Essa é uma amizade eterna... Quando você está triste e o mundo parece escuro e vazio, essa amizade eterna levanta o seu ânimo e faz que esse mundo escuro e vazio de repente pareça brilhante e pleno. A sua amizade eterna lhe ajuda nos momentos difíceis, tristes, e de grande confusão. Se você se afasta, a sua amizade eterna lhe segue. Se você perde o caminho, a sua amizade eterna guia-lhe e anima-lhe. A sua amizade eterna leva-lhe pela mão e diz-lhe que tudo vai dar certo. Se você encontra tal amizade você se sente feliz e cheio de alegria porque você não tem nada com o que se preocupar. Você tem uma amizade para a vida inteira, já que uma amizade eterna não tem fim.   Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto, mais conhecido como Pablo Neruda, foi um escritor e politico chileno. Livros como Crepusculário, Vinte poemas de amor e Uma canção desesperada, dentre outros.

Não te rendas, de Mario Benedetti

Não te rendas, ainda estás a tempo de alcançar e começar de novo, aceitar as tuas sombras enterrar os teus medos, largar o lastro, retomar o voo. Não te rendas que a vida é isso, continuar a viagem, perseguir os teus sonhos, destravar os tempos, arrumar os escombros, e destapar o céu. Não te rendas, por favor, não cedas, ainda que o frio queime, ainda que o medo morda, ainda que o sol se esconda, e se cale o vento: ainda há fogo na tua alma ainda existe vida nos teus sonhos. Porque a vida é tua, e teu é também o desejo, porque o quiseste e eu te amo, porque existe o vinho e o amor, porque não existem feridas que o tempo não cure. Abrir as portas, tirar os ferrolhos, abandonar as muralhas que te protegeram, viver a vida e aceitar o desafio, recuperar o riso, ensaiar um canto, baixar a guarda e estender as mãos, abrir as asas e tentar de novo celebrar a vida e relançar-se no infinito. Não te rendas, por favor, não cedas: mesmo que o frio queime, mesmo que o medo morda, mesmo que o sol se ponha e se cale o vento, ainda há fogo na tua alma, ainda existe vida nos teus sonhos. Porque cada dia é um novo início, porque esta é a hora e o melhor momento. Porque não estás só, por eu te amo. Mario Benedetti é um escritor e poeta uruguaio. Autor de vários livros como Westerday y mañana , Despistes y franquezas; La borra del café, dentre outros.

Prece, de Fernando Pessoa

Senhor, que és o céu e a terra, que és a vida e a morte! O sol és tu e a lua és tu e o vento és tu. Tu és os nossos corpos e as nossas almas e o nosso amor és tu também. Onde nada está tu habitas e onde tudo está – (o teu templo)  – eis o teu corpo. Dá-me alma para te servir e alma para te amar. Dá-me vista para te ver sempre no céu e na terra, ouvidos para te ouvir no vento e no mar, e mãos para trabalhar em teu nome. Torna-me puro como a água e alto como o céu. Que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos nem folhas mortas nas lagoas dos meus propósitos. Faze com que eu saiba amar os outros como irmãos e servir-te como a um pai. […] Minha vida seja digna da tua presença. Meu corpo seja digno da terra, tua cama. Minha alma possa aparecer diante de ti como um filho que volta ao lar. Torna-me grande como o Sol, para que eu te possa adorar em mim; e torna-me puro como a lua, para que eu te possa rezar em mim; e torna-me claro como o dia para que eu te possa ver sempre em mim e rezar-te e adorar-te. Senhor, protege-me e ampara-me. Dá-me que eu me sinta teu. Senhor, livra-me de mim.   Fernando Pessoa poeta, escritor, crítico literário, inventor, tradutor, filósofo e comentarista político português. Autor de livros como O livro do desassossego, O eu profundo e os outros eus, dentre outros. Essa poesia foi retirada do livro O Eu Profundo – Obras em Prosa, 1976.

Afinal, sempre de J. G. de Araújo Jorge

Sou tua partida e tua chegada e momento de dor e de alegria, o lenço que acena, o riso que espera Quando não és presença Em todos os sentidos Continuas comigo: És saudade. Sou tua partida E tua chegada... Inventamos distâncias Para dar um nó cego Neste amor. J. G. de Araújo Jorge, foi um poeta e político brasileiro. Autor de livros como Meu Céu Interior, Amo, Trevos de Quatro Versos, dentre outros.