Esse Mário Quintana heim!

Hoje queria um dia feito de horas de oferecer
Porque há dias diferentes.
Dias especiais em que queremos encomendar o sol, a luz do horizonte, a doçura do ar.
Queria oferecer um dia hoje.
Um dia perfeito.
Embrulhados em momentos guardados
Talvez com uma fita cor de certeza calma
e um laço pleno de voltas cúmplices.
Só um dia.
Dado assim…
Mário Quintana (1906-1994) foi um poeta, tradutor e jornalista brasileiro.

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O vôo, de Menotti Del Picchia

Goza a euforia do vôo do anjo perdido em ti.
Não indagues se nossas estradas, tempo e vento,
desabam no abismo.
Que sabes tu do fim?
Se temes que teu mistério seja uma noite, enche-o
de estrelas.
Conserva a ilusão de que teu vôo te leva sempre
para o mais alto.
No deslumbramento da ascensão
se pressentires que amanhã estarás mudo
esgota, como um pássaro, as canções que tens
na garganta.
Canta. Canta para conservar a ilusão de festa e
de vitória.

Talvez as canções adormeçam as feras
que esperam devorar o pássaro.
Desde que nasceste não és mais que um vôo no tempo.
Rumo do céu?
Que importa a rota.
Voa e canta enquanto resistirem as asas.

Menotti del Picchia foi um poeta, jornalista, político, romancista, contista, cronista e ensaísta brasileiro.

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Biofilia, de Nelma da Silva Sá

Mulher, Natureza
Sou complexa, sou simples
Nas sutilezas dos emaranhados
Revelam-se belezas

Mulher, Guerreira
Sou divergência, sou convergência
Na quietude dos fios esvoaçantes
Iluminam-se veredas

Mulher, Vida
Sou mistério, sou transparência
Nas linhas das faces vivas
Refletem-se delicadezas

Mulher, Feiticeira
Sou força, sou incerteza
No intervalo dos instantes
Desabrocham-se Marias

Mulher, Deusa
Sou amor, sou natureza
No coexistir das diferenças
Cultivam-se Biofilias.

Biofilia – 16/08/2020 – domingo de outono. Da série “palavras no tempo”, por Nelma da Silva Sá.

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Amo a vida, de Helena Kolody

Amo a vida.
Fascina-me o mistério de existir.

Quero viver a magia
de cada instante,
embriagar-me de alegria.

Que importa a nuvem no horizonte,
chuva de amanhã?
Hoje o sol inunda o meu dia.

Helena Kolody (1912-2004) foi uma poetisa brasileira, considerada uma das maiores representantes literárias do Estado do Paraná. É autora de vários livros como Paisagem Interior, Memórias de Nhá Mariquinhas, Sinfonia da Vida, dentre outros.

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O tempo e o silêncio, de Nelma da S. Sá

Recrio o tempo
Que nasce com o aprendizado
Numa realidade complexa
Que de dentro observa o fora
ExtraSer!

Transcrio o tempo
Da finitude a infinitude do Ser
Neste experimento, me experimento
Gosto do que está dentro
IntraSer!

Reivento o tempo
Desvendando os enigmas do Ser
Num instante de plenitude
O verbo que se apresenta
InterSer!

Transvejo o tempo
Transfigurando as algemas do Ser
No silêncio da liberdade
O amor nutre a alma
TransformaSer!

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Urgência, de Armando Artur

É urgente inventar novos atalhos.

Acender novos archotes

e descobrir novos horizontes.

É urgente quebrar o silêncio,

abrir fendas no tempo

e, passo a passo, habitar outras noites

coalhadas de pirilampos.

É urgente içar novos versos,

escalar novas metáforas

recalcadas pela angústia.

É urgente partir sem medo

e sem demora.

Para onde nascem sonhos,

buscar novas artes de

esculpir a vida.

 

Armando Artur é um escritor moçambicano. Autor de A Reinvenção do ser e a dor da pedra, O Hábito das Manhãs, A Quintessência do Ser dentre outros.

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Algumas amizades são eternas, de Pablo Neruda

Algumas vezes você encontra na vida
Uma amizade especial:
esse alguém que ao entrar na sua vida,
muda-a completamente.

Esse alguém que lhe faz rir sem cessar;
esse alguém que lhe faz acreditar que no mundo
existem coisas realmente boas.

Esse alguém que lhe convence
de que há uma porta pronta
para que você a abre.
Essa é uma amizade eterna…

Quando você está triste
e o mundo parece escuro e vazio,
essa amizade eterna levanta o seu ânimo
e faz que esse mundo escuro e vazio
de repente pareça brilhante e pleno.

A sua amizade eterna lhe ajuda
nos momentos difíceis, tristes,
e de grande confusão.
Se você se afasta,
a sua amizade eterna lhe segue.
Se você perde o caminho,
a sua amizade eterna guia-lhe e anima-lhe.
A sua amizade eterna leva-lhe pela mão
e diz-lhe que tudo vai dar certo.

Se você encontra tal amizade
você se sente feliz e cheio de alegria
porque você não tem nada com o que se preocupar.
Você tem uma amizade para a vida inteira,
já que uma amizade eterna não tem fim.

 

Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto, mais conhecido como Pablo Neruda, foi um escritor e politico chileno. Livros como Crepusculário, Vinte poemas de amor e Uma canção desesperada, dentre outros.

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Não te rendas, de Mario Benedetti

Não te rendas, ainda estás a tempo
de alcançar e começar de novo,
aceitar as tuas sombras
enterrar os teus medos,
largar o lastro,
retomar o voo.

Não te rendas que a vida é isso,
continuar a viagem,
perseguir os teus sonhos,
destravar os tempos,
arrumar os escombros,
e destapar o céu.

Não te rendas, por favor, não cedas,
ainda que o frio queime,
ainda que o medo morda,
ainda que o sol se esconda,
e se cale o vento:
ainda há fogo na tua alma
ainda existe vida nos teus sonhos.

Porque a vida é tua, e teu é também o desejo,
porque o quiseste e eu te amo,
porque existe o vinho e o amor,
porque não existem feridas que o tempo não cure.

Abrir as portas,
tirar os ferrolhos,
abandonar as muralhas que te protegeram,
viver a vida e aceitar o desafio,
recuperar o riso,
ensaiar um canto,
baixar a guarda e estender as mãos,
abrir as asas
e tentar de novo
celebrar a vida e relançar-se no infinito.

Não te rendas, por favor, não cedas:
mesmo que o frio queime,
mesmo que o medo morda,
mesmo que o sol se ponha e se cale o vento,
ainda há fogo na tua alma,
ainda existe vida nos teus sonhos.
Porque cada dia é um novo início,
porque esta é a hora e o melhor momento.
Porque não estás só, por eu te amo.

Mario Benedetti é um escritor e poeta uruguaio. Autor de vários livros como Westerday y mañana , Despistes y franquezas; La borra del café, dentre outros.

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Prece, de Fernando Pessoa

Senhor, que és o céu e a terra, que és a vida e a morte! O sol és tu e a lua és tu e o vento és tu. Tu és os nossos corpos e as nossas almas e o nosso amor és tu também. Onde nada está tu habitas e onde tudo está – (o teu templo)  – eis o teu corpo.

Dá-me alma para te servir e alma para te amar. Dá-me vista para te ver sempre no céu e na terra, ouvidos para te ouvir no vento e no mar, e mãos para trabalhar em teu nome.

Torna-me puro como a água e alto como o céu. Que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos nem folhas mortas nas lagoas dos meus propósitos. Faze com que eu saiba amar os outros como irmãos e servir-te como a um pai. […]

Minha vida seja digna da tua presença. Meu corpo seja digno da terra, tua cama. Minha alma possa aparecer diante de ti como um filho que volta ao lar.

Torna-me grande como o Sol, para que eu te possa adorar em mim; e torna-me puro como a lua, para que eu te possa rezar em mim; e torna-me claro como o dia para que eu te possa ver sempre em mim e rezar-te e adorar-te.

Senhor, protege-me e ampara-me. Dá-me que eu me sinta teu. Senhor, livra-me de mim.

 

Fernando Pessoa poeta, escritor, crítico literário, inventor, tradutor, filósofo e comentarista político português. Autor de livros como O livro do desassossego, O eu profundo e os outros eus, dentre outros.

Essa poesia foi retirada do livro O Eu Profundo – Obras em Prosa, 1976.

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