Alma flutuante, de Lolô Fonseca
Flutuar é preciso
Flutuar é preciso
Há flores que se comem
como se fossem frutas,
numa comunhão entre
os olhos, a boca, o jardim.
Hibiscos coloridos, caprichosos,
derramam no prato a sua beleza,
passageira como um relâmpago,
e ao morder um hibisco
nos transformamos em poesia.
Poemas são retratos de mim
Pelas lentes do meu coração
Às vezes são viagens líricas
Pelas plumas da imaginação
Assim mesmo são de mim retratos
Em desejos de um coração.

Do livro Poemas para minha mãe bordar.
Toda vez que chove
Brasília me dá um arco-íris.
Toda vez que o sol nasce
ela me oferece um prisma.
Em toda seca Brasília mostra
o espanto do renascer.
Em toda vez que lhe passeio
eu vejo athos, bianchettis,
oscares, vejo burles e brunos
dando vida à meus olhares.
Brasília me leva junto a ela
– passargada encontrada-
sem rei, sem trono, sem dono
lugar de onde bebo a poesia
de onde mordo o amor
de onde canto elegias
de onde essa ana maria
se rende feliz
à
cidade
Ana por ela mesma: “Sou a carioca mais brasiliense do planeta. O Rio de Janeiro está no meu coração mas Brasília é dona da minha alma. Aqui cresci, estudei, plantei árvores, criei filhos e cultivei as minhas conversas com o verso”.
O poema escapa-me
Tangencio sua estética, persigo-o insistentemente,
Mas se ele não quer vir, força-lo é tatear no escuro.
Chego a perceber subliminarmente o seu sentido
Que me escapa ao menor movimento da caneta
Faz tempo que o papel aguarda incólume
Para registrar sua forma
Mas espera em vão!
Por que não vem? Pergunto-lhe
O que lhe falta pra brotar? Indago-lhe
Por que não se cristaliza? Questiono-lhe
Bato à porta porém minhas indagações
Permanecem sem resposta.
A angústia cresce,
Mas a busca e a crença de que ele virá permanecem
Inútil clamar ao Deus da poesia.
O poema vem quando a hora chegar
O poema, como a semente, tem a sua hora de brotar
Oculta consciência de não ser,
Ou de ser num estar que me transcende,
Numa rede de presenças
E ausências,
Numa fuga para o ponto de partida:
Um perto que é tão longe,
Um longe aqui.
Uma ânsia de estar e de temer
A semente que de ser se surpreende,
As pedras que repetem as cadências
Da onda sempre nova e repetida
Que neste espaço curvo vem de ti.
“Diz-se que, mesmo antes de um rio cair no oceano, ele treme de medo. Olha para atrás, para toda a jornada: os cumes, as montanhas , o longo caminho sinuoso através das florestas, através dos povoados, e vê a sua frente um oceano tão vasto que entrar nele nada mais é do que desaparecer para sempre. Mas, não há outra maneira. O rio não pode voltar. Ninguém pode voltar. Voltar é impossível na existência. Você pode apenas ir em frente. O rio precisa se arriscar e entrar no oceano. E somente quando ele entra no oceano é que o medo desaparece, porque apenas então o rio saberá que não se trata de desaparecer no oceano mas, tornar-se oceano! Por um lado é desaparecimento e por outro lado é renascimento. Assim somo nós. Só podemos ir em frente e arriscar.”
Compreendi,
então, que a vida não é uma sonata que,
para realizar a sua beleza,
tem que ser tocada até o fim.
Dei-me conta,
ao contrário,
que a vida é um álbum de mini sonatas.
Cada momento de beleza vivido e amado,
por efêmero que seja,
é uma experiência completa
que está destinada à eternidade.
Um único momento de beleza e amor
justifica a vida inteira. Rubem Alves
Nestes jardins – há vinte anos – andaram nossos muitos passos,
e aqueles que então éramos se contemplaram nestes lagos.
Se algum de nós avistasse o que seríamos com o tempo,
todos nós choraríamos, de mútua pena e susto imenso.
E assim nos separamos, suspirando sonhos futuros,
e nenhum se atrevia a desvelar seus próprios mundos.
E agora que separados vivemos o que foi vivido,
com doce amor choramos o que fomos nesse tempo antigo!