Hibisco, de Roseana Murray

Há flores que se comem
como se fossem frutas,
numa comunhão entre
os olhos, a boca, o jardim.
Hibiscos coloridos, caprichosos,
derramam no prato a sua beleza,
passageira como um relâmpago,
e ao morder um hibisco
nos transformamos em poesia.

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Brasília, de Ana Maria Lopes

Toda vez que chove
Brasília me dá um arco-íris.
Toda vez que o sol nasce
ela me oferece um prisma.
Em toda seca Brasília mostra
o espanto do renascer.
Em toda vez que lhe passeio
eu vejo athos, bianchettis,
oscares, vejo burles e brunos
dando vida à meus olhares.
Brasília me leva junto a ela
– passargada encontrada-
sem rei, sem trono, sem dono
lugar de onde bebo a poesia
de onde mordo o amor
de onde canto elegias
de onde essa ana maria
se rende feliz
à
cidade

Ana por ela mesma: “Sou a carioca mais brasiliense do planeta. O Rio de Janeiro está no meu coração mas Brasília é dona da minha alma. Aqui cresci, estudei, plantei árvores, criei filhos e cultivei as minhas conversas com o verso”.

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Poema, de Júlio Cézar dos Reis Almeida

O poema escapa-me
Tangencio sua estética, persigo-o insistentemente,
Mas se ele não quer vir, força-lo é tatear no escuro.
Chego a perceber subliminarmente o seu sentido
Que me escapa ao menor movimento da caneta

Faz tempo que o papel aguarda incólume
Para registrar sua forma
Mas espera em vão!
Por que não vem? Pergunto-lhe

O que lhe falta pra brotar? Indago-lhe
Por que não se cristaliza? Questiono-lhe
Bato à porta porém minhas indagações
Permanecem sem resposta.

A angústia cresce,
Mas a busca e a crença de que ele virá permanecem
Inútil clamar ao Deus da poesia.
O poema vem quando a hora chegar
O poema, como a semente, tem a sua hora de brotar

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Espaço curvo e finito, de José Saramago

Oculta consciência de não ser,
Ou de ser num estar que me transcende,
Numa rede de presenças
E ausências,
Numa fuga para o ponto de partida:
Um perto que é tão longe,
Um longe aqui.
Uma ânsia de estar e de temer
A semente que de ser se surpreende,
As pedras que repetem as cadências
Da onda sempre nova e repetida
Que neste espaço curvo vem de ti.

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O rio e o mar, de Osho

“Diz-se que, mesmo antes de um rio cair no oceano, ele treme de medo. Olha para atrás, para toda a jornada: os cumes, as montanhas , o longo caminho sinuoso através das florestas, através dos povoados, e vê a sua frente um oceano tão vasto que entrar nele nada mais é do que desaparecer para sempre. Mas, não há outra maneira. O rio não pode voltar. Ninguém pode voltar. Voltar é impossível na existência. Você pode apenas ir em frente. O rio precisa se arriscar e entrar no oceano. E somente quando ele entra no oceano é que o medo desaparece, porque apenas então o rio saberá que não se trata de desaparecer no oceano mas, tornar-se oceano! Por um lado é desaparecimento e por outro lado é renascimento. Assim somo nós. Só podemos ir em frente e arriscar.”

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Compreendi, de Rubem Alves

Compreendi,
então, que a vida não é uma sonata que,
para realizar a sua beleza,
tem que ser tocada até o fim.
Dei-me conta,
ao contrário,
que a vida é um álbum de mini sonatas.
Cada momento de beleza vivido e amado,
por efêmero que seja,
é uma experiência completa
que está destinada à eternidade.
Um único momento de beleza e amor
justifica a vida inteira. Rubem Alves

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O tempo no Jardim, de Cecília Meireles

Nestes jardins – há vinte anos – andaram nossos muitos passos,
e aqueles que então éramos se contemplaram nestes lagos.

Se algum de nós avistasse o que seríamos com o tempo,
todos nós choraríamos, de mútua pena e susto imenso.

E assim nos separamos, suspirando sonhos futuros,
e nenhum se atrevia a desvelar seus próprios mundos.

E agora que separados vivemos o que foi vivido,
com doce amor choramos o que fomos nesse tempo antigo!

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